sexta-feira, 10 de setembro de 1999

Ensinar a estudar

Na área escolar é freqüente o uso da expressão: ensinar a estudar. Supõe-se que isto seja o verdadeiro mister do professor, mas não é bem assim, uma vez que o aproveitamento escolar não é igual entre os alunos de uma mesma classe, embora o professor seja o mesmo.
O Padre Antônio Vieira, o maior orador sacro da Língua Portuguesa, no século XVII, no Sermão do Espírito Santo, pregado na cidade de São Luiz do Maranhão, assim escreveu: “O mestre na cadeira diz para todos, mas não ensina a todos. Diz para todos, porque todos ouvem; mas não ensina a todos porque uns aprendem, outros não. E qual a razão dessa diversidade, se o mestre é o mesmo e a doutrina a mesma? Porque, para aprender, não basta só ouvir por fora: é necessário entender por dentro. Se a luz de dentro é muita, aprende-se muito; se pouca, pouco; se nenhuma, nada. O mesmo nos acontece a nos. Dizemos, mas não ensinamos, porque dizemos por fora; só o Espírito Santo ensina, porque alumia por dentro...”
Adaptando-se ao caso, a inteligência, o raciocínio e a vontade são os elementos que nos ensinam, todos agentes abstratos e aparecem com diferentes graus em cada um de nós, daí a desigualdade da aprendizagem, além de deixar bem claro, a inexistência de materiais didáticos. O professor é fundamentalmente um orientador e estimulador do aluno. Os livros são normalmente fontes de informação, portanto, o aprendizado depende única e exclusivamente, do aprendiz. Do exposto, fica claro que o verbo ensinar é hipotético, presunçoso e maléfico. Hipotético, porque ninguém ensina a alguém; presunçoso, porque dá ao professor a sensação de ser importante; maléfico, porque deixa o aluno a espera de ser “ensinado”.
Aprender é abraçar, recolher, receber, encher. Assim, o limite da aprendizagem depende da capacidade intelectual de cada um, e não da magnitude da aula. É como se todos fôssemos à praia, levando cada um, um recipiente qualquer; embora o mar grandioso, imenso, rico, todavia uma coisa é certa: cada um só pode trazer a quantidade de água que corresponde à capacidade de seu recipiente. Cabe então ao professor, persuadir o aluno a levar um recipiente maior, para recolher maior quantidade de água; isto é, aumentar a sua capacidade intelectual, para aprender mais.
Dizem que não se faz um burro beber água, mas é viável porque basta dar a ele uma boa pedra de sal. Então senhores professores, quando forem dar aulas, não levem copos com água para seus alunos, mas, sim boas pedras de sal... A eficácia dessa persuasão depende do “engenho e arte” do professor. Bem aventurado é o professor que, de tão eficiente tomou-se supérfluo para seus alunos. Este se realizou... Este redimiu...
No passado, principalmente as aulas do curso primário consistiam na transcrição, na lousa, de pontos da matéria, pelo professor, e copiados pelos alunos, para posteriormente decorá-los. Esta prática era recomendável, não só pela falta de livros, mas também pelos poucos conhecimentos de que se dispunha a humanidade. Estudar seria assim, adquirir conhecimentos. Hoje, as condições mudaram bastante, pois a lista de conhecimentos é infinitamente grande e não somos capazes de absorver, sequer, um milésimo porcento, e que pouco representa. Considerando ainda, hoje temos uma abundância de livros, onde os mais variados autores abordam com riqueza, todos os assuntos, sem considerar a grande facilidade de consultas que nos oferece a Internet. Então, estudar, não mais corresponde, adquirir conhecimentos.
O organismo animal utiliza-se dos alimentos como fonte de substâncias para a formação da estrutura de seu corpo, através de uma série de reações químicas controladas pelas enzimas, constituindo o metabolismo biológico. Assim, estudar é metabolizar conhecimentos, realizados pela inteligência e raciocínio, e consiste mais em pensar do que propriamente ler, podendo ser realizado em qualquer lugar, deixando-se levar até por uma certa dose de intuição.
“Toda vez que me preocupo em resolver um problema, não consigo. Deixo de preocupar, então me vem a solução”. Einstein tinha razão! Pois na imensa maioria dos casos, estuda e pesquisa, não para a humanidade, mas para satisfazer o ego, este traidor que nos faz complicar as respostas para nos dar a impressão de se tratar de um problema difícil, que somente nós pesquisadores, temos condições, trazendo-nos assim, uma sensação de geniais, acariciando então o nosso ego.
Os grandes beneméritos da humanidade eram simples e modestos, porque eram de grande riqueza interna.
Estamos mesmo, ensinando a estudar?

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