domingo, 31 de dezembro de 2000

Beber água

Eu me lembro e com saudade de minha meninice, pois fui um menino alegre e ingênuo que gostava de brincar com os bezerros e outros animais da fazenda onde nasci. Passava horas olhando as nuvens procurando identificar nelas, figuras de animais ou mesmo de países conhecidos. A imensidão do céu despertava em mim o desejo de liberdade. Entretanto percebia que esta estava longe, pois pairava em mim, as determinações paternas de que isto ou aquilo só poderiam ser feitas pelos grandes; imaginava que ser menino era um impedimento aos meus desejos, mas como me livrar? Somente o tempo poderia me libertar, mas vai demorar muito... Então pensando, percebi que poderia ser grande se fizesse o que fazem os grandes.
Olhando, vi um cavaleiro solitário em uma estrada distante, lá na linha do horizonte e julguei que se cavalgasse sozinho seria grande, pois até então só o fazia ao lado de meu pai, foi quando me lembrei do burrinho de lida que ficava junto à porteira do curral. Resoluto apanhei o cabresto e colocando nele, de um salto o montei e saí cavalgando pela estrada afora. Logo chegamos ao espraiado, ponto em que o córrego corta a estrada e esparrama suas águas, bebedouro natural para os animais e parei. Bebe, bebe. Ora, por que não? Se não beber, não serei grande. Apeando, peguei em suas orelhas e puxava para baixo dizendo: bebe, bebe... Neste momento, meu pai vindo da invernada, suspendendo as rédeas pelo pulso e enrolando um cigarro de palha, ao ver-me disse: o que está fazendo meu filho? Quero fazer o burro beber água. E ele, meneando de leve a cabeça e com um sorriso respondeu-me: ora não se faz um burro beber água e afastou-se.
Confesso que nada entendi, percebi que era apenas um desista... Desiludido montei e voltado para casa abandonei a idéia; contudo aquela expressão ficou zoando em minha mente durante anos e anos sem nada entender, até o dia em que dei a minha primeira aula. Neste momento pude compreender com clareza, o significado daquela expressão, onde cada um faz somente o que quer e quando quiser.
Entretanto, hoje mais maduro e experiente, entendo que podemos fazer um burro beber água e não é muito difícil, pois basta dar a ele uma boa pedra de sal que logo, logo estará bebendo água... Portanto caros professores, quando forem dar aulas não levem copos d'água para seus alunos, mas sim, boas pedras de sal. O êxito desta prática depende da habilidade e arte de cada professor e o sal a que me refiro, corresponde à conscientização de seus alunos, sendo esta o ponto alto de uma aula e que constitui o grande mister do professor.
Assim pensamos e assim desejamos que seja, neste último dia do século e que amanhã ingressados no terceiro milênio, conquistaremos certamente, a nossa redenção...
Uberlândia, o último dia do século XX.

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