quinta-feira, 28 de dezembro de 2000

Vocação de professor

Comentando certa vez, em uma aula com os alunos do curso de medicina, dizia de minha grande preocupação com o baixo aproveitamento escolar e que das várias razões, a principal é a pouca vocação de muitos estudantes. Na esperança de justificar a minha tese, perguntei a uma aluna o que a levou a escolher a carreira médica. Ela, depois de muito pensar, declarou: eu gosto de tratar de doentes. Esta resposta dita sem convicção, arrancou risos dos colegas. Estes sorrisos são provas de que tenho razão e todos afirmaram que sim, mas quando já me considerava vencedor e me dirigia para a mesa, foi surpreendido com a pergunta: e o senhor, por que resolveu ser professor? Confesso que esta observação me deixou embaraçado. Como responder? Procurando ganhar tempo e como que surpreso, disse-lhes: ainda não lhes contei? Não? Não acredito! Não pode ser! Com estas indagações e exclamações espaçadas, fui ganhando o tempo necessário para imaginar uma história capaz de explicar o motivo e logo me veio à mente uma e então, me colocando no meio do corredor, pude assim começar.
Olhem os meus sapatos. Não são sapatos, mas sim botinas de elástico e já desgastadas. Olhem a minha calça de linho. Não. Não é de linho, mas sim de brim e toda esfiapada, com sementes de amor seco, carrapichos e até esterco de curral, pois embora procurando despistar, jamais consigo encobrir a minha origem: nasci e me criei na fazenda.
Estava eu certo dia, repregando algumas tábuas soltas do curral quando se achava ali um (outro) burro. Em dado momento, ouvi um barulho estranho, era o burro que estava escoiceando a cerca. Procurando interpretar o gesto do animal, pensei: ah! Com certeza ele espera que seus coices possam abrir a porteira, mas é burro esse burro, pois a porteira e mais para a direita e logo voltei-me ao trabalho. Ouvi novamente o barulho e pude perceber que os seus pés ora passavam entre as tábuas e ali raspando, se machucavam. Preocupado, olhei ao redor e encontrei um pequeno pedaço de canzil e o atirei de leve para espantá-lo. Afastando, passou ao meu lado quando notei que seus pés estavam feridos. Embora trabalhando, minha mente preocupava com o procedimento do burro e assim pensava: a burrice agride, pois eu já me agastava com a atitude do burro; a ignorância fere, posto que, já sangrava o pé do burro e entre esses pensamentos, de repente me veio um estalo: hei de ser professor! Laguei o martelo e aqui estou.
Este foi o motivo que me trouxe ao magistério, certo ou errado, mas foi assim e ainda hoje percebo como valeu a pena e não me arrependo, pois fui imensamente gratificado, e no qual, me realizei plenamente.
Então, obrigado companheiro burro! Obrigado por ter despertado em mim esta magnífica vocação!

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