domingo, 2 de junho de 1996

O sacrifício não sacrum facere

Certa manhã, estando eu no portão de minha casa, vi no muro em frente, um pequeno pardal com um comportamento estranho, pois agitava as asas, e com um chilrar diferente virava a cabeça ora para cima, ora para baixo. Inesperadamente, surgiu ali, sua companheira, que após um breve alegre ritual, voaram para uma árvore próxima e não mais e não mais os vi.
Esta atitude me deixou pensativo... O que significava tudo aquilo? Por que tanta alegria? Por que? E assim as idéias foram se formando em minha mente, quando percebi que...
Muitas pessoas acreditam que o verdadeiro caminho da redenção, consiste em passar pelas trilhas estreitas, da renúncia, para livrar dos prazeres; da abdicação, para afastar dos bens materiais; do sofrimento, para expiar as faltas; do sacrifício, para santificar; da imolação, para como a Fênix, ressurgir das cinzas... .
Embora, aceito por todos, contudo, é neste ponto, que cometem o maior erro, pois, esta crença, iludida pela sutileza do ego, que consiste principalmente em aniquilar os pequenos egos visíveis em benefício dos grandes invisíveis, propondo a busca de prêmios e outras recompensas, escravizam a nossa vontade.
Os atos humanos podem ser opcionais ou obrigatórios com a impressão de que os primeiros são prazerosos, enquanto os últimos são sacrificiais, eis aí outro engano.
Nos atos opcionais, a vontade não é livre, mas subornada pela grandiosidade da recompensa, exige de nós, a renúncia, a abdicação, a imolação e até o próprio sacrifício; enquanto que as obrigações, não estando vinculadas a prêmios, devendo ser cumpridas unicamente por ser obrigações e sendo executadas pela vontade livre e não cativa, são prazerosas. A dificuldade, entretanto, está em declarar as nossas obrigações. Resumidamente, essas consistem na cooperação dos seres com a natureza, para que esta possa se perpetuar através dos tempos.
Assim, antes mesmo daquele primeiro passarinho pousar no muro, um outro, mais velho, com sua companheira, pacientemente, construíram um ninho, onde nasceram dois ou mais filhotes.
Com empenho e carinho, levavam alimentos, na hora certa em quantidade exata, durante, aproximadamente, cinco semanas, sem faltar um só dia.
Preocupados com predadores, chuva, frio... Protegiam corajosamente ninho... Até que, percebendo a plumagem pronta para o primeiro vôo, levando inseto maior, como estímulo e se pondo em um galho um pouco distante, encorajavam os filhotes para o vôo inicial, que após uma breve hesitação, se precipitaram no espaço e voando pela primeira vez, não mais foram vistos.
Qual foi a recompensa que tiveram por tantos trabalhos, cuidados, canseiras, aflições, receios...?
Nenhuma...! Nada receberam por tudo aquilo, porque tratava de obrigações...!
Também o homem, que possui inteligência, tem outras obrigações além dessas, que serão determinadas pela consciência de cada um.
O cumprimento das obrigações estabelece uma harmonia entre o ser e a natureza, traduzindo em felicidade e por muitos denominados de Céu, enquanto, a negligência, determinando uma desarmonia, gera um remorso atroz, interpretado como infelicidade e considerado um verdadeiro inferno.
A redenção do homem consiste, pois, no cumprimento jubiloso de suas obrigações, que executadas com a vontade livre, são prazerosas e não sacrificiais como se pensava, portanto o sacrifício não sacrum facere...
E quanto aos passarinhos do muro?
Ora! Com certeza já construíram o ninho e se preparam para a postura, cumprindo o maravilhoso ciclo iniciado por seus pais, dando continuidade à divinal natureza... Este deverá ser também, o procedimento de cada um de nós.

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