domingo, 20 de maio de 2001

Qual a função da universidade

Não há muita diferença entre o homem antigo com homem do terceiro milênio. Não obstante as modernas descobertas científicas, além da grande explosão demográfica, contudo, muitas indagações continuam sem respostas, pois desde a década de 50 quando iniciei minha carreira universitária, já se cogitava saber qual é a principal função da universidade e ainda hoje, se faz a mesma pergunta. Várias respostas e explicações são oferecidas, mas nenhuma nos satisfaz.
Dizem alguns professores que a principal função da universidade é formar profissionais. E para que? Se as empresas estão todas informatizadas e já trazem tudo normatizado e automatizado, uma vez que as industrias oferecem aparelhos e equipamentos altamente desenvolvidos e minuciosamente programados para executar operações complexas e que requerem apenas técnicos para operá-los. Até os organismos governamentais já estão normatizados e com normas sufocantes inibindo toda e qualquer iniciativa e criatividade do profissional, reduzindo-o a um simples e humilde técnico sem oportunidade para crescer e destacar. Há também de considerar o grande número de pessoas que ora trabalham em atividades bem diferentes das áreas que se formaram, sem levar em conta os muitos desempregados, que mesmo com os baixos salários impostos pelo asfixiante sistema econômico que hoje nos domina, explora, sacrifica e escraviza, não encontraram empregos. Tudo isso está incluído na expressão de que a universidade é um instrumento hegemônico do estado, acrescento eu: e também dos aproveitadores da sociedade. Então para que profissionais? Estas observações não constituem um protesto ou uma crítica, mas uma triste constatação, pois suas conseqüências já chegaram até a universidade, onde a descrença e o desânimo contaminam, alunos e professores. Embora a universidade possa formar profissional, contudo, esta não é a sua mais importante atividade, visto que muitas instituições também desempenham esta função como: o SENAI, SENAC e vários centros de formação profissional.
Outros declaram que a função principal da universidade é transmitir conhecimento. Pois bem, neste caso os verdadeiros agentes transmissores de conhecimento são os livros, mesmo porque os conhecimentos transmitidos pelos professores, além de poucos, tiveram origem neles e que nem todos são escritos por professores. Perto do final da segunda guerra, houve um grande desenvolvimento técnico-cientifico, destacando os estudos relativos ao átomo, que culminaram com a descoberta da bomba atômica e duas arrasadoras explosões, pondo um ponto final no conflito. Foi um espetáculo fantástico, magnífico em termos de ciência, pois o átomo estava dominado, mas o homem não, tanto que logo começou a guerra fria e as potências se armaram com um arsenal tão grande que era capaz de destruir quatro vezes o planeta e isso deixou a humanidade atônita, desesperada, estarrecida, reprovando, censurando, condenando, lastimando, maldizendo e erradamente insinuando que a ciência era perigosa e o conhecimento, em certas ocasiões, um grande mal, não percebendo que o erro foi cometido pelo homem e desde então, a universidade começou a negligenciar, iniciando sua desvalorização. Tempos atrás, foi instituída a merenda escolar para atender os milhares de alunos carentes. Assim, devido às dificuldades, muitos se matriculavam apenas para receber a sopa escolar. Semelhantemente, em virtude do desemprego, muitos recém formados e sem o devido preparo, se matriculavam nos poucos cursos de pós-graduação que havia, muitas vezes bem distantes de sua área de formação, isto é: em disciplina “nunca dantes navegada”, escolhida mais pelas possibilidades do que pela vocação, apenas para receber a bolsa de estudos e compensar o desemprego. A universidade, reconhecendo sua falha cometida com o curso de graduação e procurando sutilmente se desculpar e ao mesmo tempo se valorizar, passou a exigir o mestrado e atualmente, o doutorado e começou oferecer com intensidade tais cursos, principalmente por ser uma excelente fonte de recursos para ela e um ótimo complemento salarial para os professores, atribuindo-lhes uma hipervalorização, muitas vezes imerecida, mas capaz de mantê-la em evidencia, isto sim, a desvalorizou ainda mais. Sua negligencia e incapacidade, criaram um grave problema, pois agora, a maioria dos professores não quer lecionar para alunos do curso de graduação, já que não lhes rende mais status e nem dividendos extras. Este problema deverá ser resolvido rapidamente, através de uma reformulação de prioridades e sabemos de suas dificuldades, pois terão que ser feitos muitos acréscimos e várias abdicações, mas que são de extrema necessidade. Considere-se também, que hoje a lista de conhecimentos que dispõe a humanidade, cresceu assustadoramente e portanto o homem só é capaz de receber ou absorver uma pequena parte dela, não mais que um milionésimo por cento, e que pouco representa. Por tudo isso, o transmitir conhecimento não constitui o papel fundamental da universidade, posto que, o conhecimento em si não resolve, porque não redime.
Existem, entretanto aqueles que declaram que a principal função da universidade é gerar conhecimento. A experiência nos tem mostrado que os conhecimentos gerados pela universidade brasileira, além de poucos, são também de pouca valia, principalmente no contexto mundial, mesmo porque a imensa maioria dos nossos pesquisadores tem feito da pesquisa um simples meio de vida e não a realização de suas vocações, e mais, como o número de trabalhos publicado é a base do critério de avaliação do pesquisador, isso tem levado muitos deles a dividir sua pesquisa em várias partes, para aumentar o número de publicações; estas são as principais razões da baixa qualidade e do alto descrédito de nossas pesquisas. Por outro lado, muitas empresas procuram gerar seus próprios conhecimentos, assim as indústrias químicas da Du Pont gastaram em 1975 a importância de 360 milhões de dólares em pesquisas, utilizando cerca de 5000 pesquisadores. Os conhecimentos sobre a Astronáutica, Informática e ultimamente os relativos à leitura do código genético e muito outros, não tiveram origem na universidade. Concluímos que embora a universidade possa exercer esse papel, contudo não representa a sua principal função, uma vez que outras instituições também podem realizar esse trabalho e talvez até melhor.
Qual será então, a principal função da universidade?
Reclamam os professores dizendo que faltam verbas para pesquisas, que a universidade brasileira está sucateada, abandonada, esquecida, desvalorizada... Embora sendo verdade, entendemos claramente a atitude do governo, pois não conhecendo o seu grande valor, pouco a valoriza. Esta prática é tão natural que até os animais assim se comportam, é o caso do burro que desprezou uma barra de ouro em busca de um monte de feno. Não somente o governo tem desvalorizado a universidade, mas também os professores e talvez mais pela falta de verbo em suas aulas, do que o governo pela falta de verba, mesmo porque o verbo é o mais importante nesse trabalho de orientar corretamente o homem. Os próprios alunos e mesmo a sociedade têm desvalorizado e muito a universidade brasileira, como se retrata na vulgarização das festas de formatura, onde formandos e familiares esboçando um regozijo artificial, com escárnio, tocam cornetas, assoviam, gritam... Com alaridos, zombam e riem, numa atitude de autodefesa e procurando justificar, reduzem o valor de seus estudos, esperando diminuir as responsabilidades e anestesiar suas consciências para que cada um possa dizer: não esperem nada de mim, pois não me sinto preparado. Esta é a percepção triste daquele que teve a graça, de no passado, assistir a autenticas festas de formatura quando estas representavam verdadeiramente a liberdade e a redenção do profissional, chamado liberal e que hoje, não existe mais...
Ora, o que resta então à universidade ?
Cabe à universidade identificar sua verdadeira função, assumir sua posição e exercer seu verdadeiro mister, e para que tal aconteça, é necessário proceder a um estudo profundo e criterioso da sociedade, do homem e suas implicações.