sábado, 19 de agosto de 2000

Foi um sonho

Estamos terminando o século vinte. Não obstante às grandes descobertas científicas, somadas à imensa explosão demográfica, ainda conservamos, entretanto, as tradições religiosas, vindas desde a nossa mais tenra idade. Na esperança de receber a proteção divina, aprendemos homenagear a Deus, atribuindo-Lhe várias qualidades e cada um, segundo suas idéias, declara seus atributos: Deus é bom, misericordioso, justíssimo, fiel, poderosíssimo e muito mais...
Ouvi certa vez, um pregador explicar os diversos atributos divinos, procurando provar com fatos que Deus é poderoso, bondoso, misericordioso e muito, muito mais... Todos ouvíamos atentamente esta pregação de mãos postas, de cabeças baixas e humildemente reconhecíamos a insignificância do homem perante Deus. A grandeza divina era terrivelmente ouvida pelos maus, mas trazia grandes esperanças de redenção para os bons e este é o entendimento que temos de Deus. O pregador deixou o recinto satisfeito por nos ter ensinado e nós com humildade, nos recolhemos para a grande meditação.
Então, naquela noite, pela madrugada, tive um sonho que me levou aos tempos passados quando eu morava na fazenda onde nasci.
“Estava eu cavalgando pelo pasto e me dirigia para a sombra de uma bela e frondosa árvore de batalha na esperança de me proteger do sol causticante. Ao aproximar-me percebi a presença de várias vacas que ali se achavam deitadas à sombra fresca da árvore. De repente ouvi um som esquisito. Espantado, percebi que eram as vacas conversando e atônito, pus-me a ouvi-las.
Então uma delas dizia: O nosso amo é extremamente bom, pois foi ele quem nos deu esta pastagem tão deliciosa.
Outra, com humildade, afirmava que o seu senhor é um grande ruminante; já a seguinte, garantia que o seu patrão é um verdadeiro quadrúpede e um autêntico irracional.
A próxima assegurava que a cauda do seu dono é imensa, cujos cabelos longos e cacheados reluzem aos raios solares.
Por fim, a última declarava que o seu senhor tem os chifres não somente grandes, mas ainda, harmoniosamente enrolados... Neste momento não me contive e empunhando o chicote dei-lhes boas chicotadas fazendo todas correrem em disparada pela ladeira abaixo. Voltei para casa aborrecido com o que elas pensavam de mim, pois eu sou humano e não um vacum.”
Assustado, então acordei. Analisando o sonho, percebi como as vacas estavam enganadas a meu respeito; embora todas parecessem humildes e satisfeitas esperando que estas declarações me agradassem, contudo me aborreci, pois eu sou um ser humano e não uma vaca ou mesmo uma super vaca.
Os pensamentos vagavam pela minha mente, quando me lembrei de que naquela mesma noite eu ouvia compungido o pregador dizendo coisas semelhantes com relação a Deus. Assim também, queremos nós atribuir a Deus, as nossas qualidades, imaginando que Deus é semelhante a um super homem, na mais autêntica heresia. A origem deste equívoco é primária, pois pretendemos infantilmente, colocar em nossa cabeça finita, um Deus infinito, como propõem os teólogos, pois embora, etimologicamente a palavra teologia seja viável, na prática é impossível, posto que é impossível, humanamente impossível, imaginar ou conhecer Deus.
Tudo isso foi um sonho, mas que constitui a mais pura realidade.